O Fascismo é um só, por Wilson Luiz Müller

No atual estágio, o bolsonarismo está tentando consolidar um processo de brutal transferência de riqueza da maioria da população para uma minoria bilionária.

Bolsonaro com Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni. Foto: Carolina Antunes/PR

Por. Wilson Luiz Müller

O Fascismo é um só.

A essência do fascismo é uma combinação de mentiras, manipulação e opressão. O resto são contextos históricos, personagens e condições objetivas diferentes. Os que não se atém à essência vão ficar discutindo firulas, procurando similaridades aqui e ali, sem chegar nunca à conclusão de que o bolsonarismo é o fascismo made in brazil.

O fascismo genuinamente bolsonarista está em construção. Nenhum fascismo nasce pronto. Para fazer uma analogia, a partir de que momento estava instalado o nazismo na Alemanha? Evidente que não foi a partir do funcionamento das câmaras de gás.

No atual estágio, o bolsonarismo está tentando consolidar um processo de brutal transferência de riqueza da maioria da população para uma minoria bilionária que, para preservar seus ganhos, tenderá a defender o regime. Para isso é necessário aparelhar e domesticar os órgãos policiais, militares e os de investigação; garantir a fidelidade de classe das principais instâncias do poder judiciário (tudo conforme a sábia  recomendação do estrategista Jucá: com Supremo com tudo); aniquilar o poder de resistência da sociedade civil organizada (vide estrangulamento financeiro dos sindicatos).

Tudo isso é planejado – apesar de não ser dito de forma aberta – para que no processo de expropriação os atingidos pela perda de direitos não tenham recursos para se defender; se os tiverem que não tenham a quem recorrer; que se recorrerem às ruas, as polícias e os militares saibam de que lado ficar.

Portanto, as fontes do fascismo bolsonarista estão na política, nas instituições estatais e de forma destacada na economia.

O fascismo, apesar das mentiras e da violência que lhe são características, também depende do sucesso econômico. A melhoria econômica é a sua principal propaganda,  sendo uma das formas de justificar o cometimento de atrocidades. A Itália fascista de Mussolini e a sua variante nazista da Alemanha de Hitler apresentaram resultados econômicos que trouxeram benefícios econômicos percebidos como favoráveis pela maioria da população.

Foi por causa dos bilionários que Bolsonaro, então candidato ainda desprezado pelas elites econômicas, trouxe Paulo Guedes para seu lado. Tempos depois Bolsonaro iria se referir ao ministro não mais como posto Ipiranga, mas como patrão, utilizando uma definição mais precisa para deixar claro que tudo isso está sendo feito para a elite bilionária parasita (o deus mercado) da qual Guedes é o sócio/preposto.

Enquanto a maioria do povo não acorda do pesadelo, os fascistas no poder vão tentando convencer a sociedade de que a transferência das riquezas para os mais ricos é uma necessidade que a todos beneficiará no futuro, por mais que pareça o contrário no presente.

Na falta de resultados  econômicos positivos e perceptíveis pela população, o regime monta um cenário em que ilusionistas e bufões e assassinos se revezam no palco para prender a respiração da platéia. As emoções da plateia se movem entre o riso e o terror. Às vezes é engraçado, depois é humilhante, outra hora deprimente, depois vem a sensação de que nada tem solução. A encenação visa que ninguém da plateia se levante para espiar o que ocorre nos bastidores do cenário farsesco.

Se o sucesso na economia não for verdadeiro,  os fascistas no poder passam a depender da eficiência com que mentiras são contadas para convencer as pessoas de que as coisas vão bem, apesar da percepção geral de que tudo vai mal. Bolsonaro tem tido uma ajuda e tanto da grande mídia corporativa na propagação de mentiras sobre uma economia que estaria prestes a deslanchar para o crescimento. É um comportamento esquizofrênico. Os donos das mídias arrancam os cabelos por causa dos insultos e mentiras contra jornalistas ao mesmo tempo em que replicam as mentiras sobre o crescimento econômico. Antifascistas num aspecto; fascistas em outro.

Manchete sobre os mais pobres:“Cortes no Bolsa Família impulsionam aumento da extrema pobreza no Brasil”.

Manchete para a alegria dos mais ricos: “Petrobras tem lucro recorde de R$ 40,1 bilhões, em 2019. A Petrobras registrou em 2019 lucro líquido de R$ 40,137 bilhões, alta de 55,7% em comparação com 2018”.

O que os “especialistas do mercado” vão dizer: estamos no caminho certo, lucros sobem como nunca, em breve os bons resultados serão sentidos no crescimento econômico…

O que os papagaios da mídia corporativa vão dizer: especialistas dizem que estamos no caminho certo…

Certo. Vamos ao real. A Petrobras vendeu muitos ativos nos anos recentes – patrimônio do povo. A Petrobras (empresa do povo) vende a gasolina, o gás e o diesel a um preço absurdo para seus donos, o povo. Por isso tem lucro recorde. Aos acionistas (muitos deles estrangeiros) serão distribuídos os lucros da empresa do povo, lucros que serão investidos na bolsa de valores e não na Petrobras. É uma das formas como ocorre o saque contra a população mais pobre, de como a riqueza produzida por dezenas de milhões de brasileiros  é transferida, via fascismo, para uma minoria de bilionários, muitos dos quais são estrangeiros, e de como o saque é noticiado com tons coloridos e festivos.

A instauração do ultraliberalismo de Guedes  – com a expropriação rápida das riquezas da nação – exige o avanço do regime fascista. Porque os pobres estão ficando mais pobres. O empobrecimento causa revolta. Para conter a revolta popular é preciso um regime fascista.

Mas o regime não pode ser apresentado de uma forma tão crua.  É preciso revesti-lo com uma roupagem palatável, até desejável, para uma parcela importante da população. Aqui entra a outra forma clássica de transferência de riqueza, travestida de benefício acessível a todos, desde o bilionário até o trabalhador braçal: a bolsa de valores. A bolsa cumpre esse papel propagandístico porque uma  expressiva parcela da classe média – formadora de opinião – passa a ter  a percepção de que está ganhando  dinheiro como nunca,  e que pode, com um pouco de sorte e ficando do lado dos poderosos, entrar no clube dos ricos.

A bolsa de valores é uma das principais chaves para entender as mentiras e manipulações que tem sido difundidas sobre a economia. Desde a véspera da eleição presidencial em outubro de 2018, com as pesquisas indicando a eleição de Bolsonaro, a bolsa saiu de 81.000 pontos e chegou a 119.000 pontos em meados de janeiro de 2020, uma alta de quase 50% em pouco mais de um ano.

Dizem os “especialistas” que a bolsa antecipa o humor com a economia. Ora, o que se viu durante todo o ano de 2019 foi um bando de incompetentes e desqualificados dirigindo o país, batendo cabeça, espalhando boatos, chefiados por um ser abjeto, fazendo qualquer coisa menos cuidar do crescimento da economia. Adivinhem quanto a economia cresceu neste meio tempo. UM POR CENTO! Para onde os “especialistas “ olham para  justificar esse otimismo, quando há uma distorção de cinquenta por um entre a alta da bolsa e o crescimento da economia?

Mas os “especialistas” podem ter se enganado, pode dizer algum ingênuo. Não, os “especialistas” não se enganam. Eles estão enganando as gentes. Eles também estão lucrando com as enganações a que submetem os incautos.

Sobre os sucessivos erros dos “especialistas enganadores” escrevi o artigo “As previsões de crescimento do PIB são uma farsa”, publicado no GGN e 247, onde demonstro que, de forma reiterada, no período de 2016 a 2019, os ditos cujos projetavam crescimento médio de 2,5% ao ano.

Tivessem algum fundamento as previsões que não a simples vontade de enganar as gentes, teríamos crescido uns dez por cento no período. Crescemos pouco mais que quatro, menos que o crescimento vegetativo da população. Ou seja, entregaram zero de resultado. Ninguém devia dar a mínima para o que falam. Mas a mídia corporativa segue lhes dando ouvidos. E segue replicando suas visões desprovidas de verdade material. No popular: a mídia corporativa segue replicando as mentiras dos autodenominados especialistas do mercado. Tudo para o  bom êxito da implantação da agenda ultraliberal e neofascista.

A bolsa há tempo deixou de ser um termômetro da economia para se transformar num mecanismo eficiente para promover a rápida expropriação das riquezas da sociedade. As pessoas que não investem na  bolsa tendem a achar que o dinheiro que lá circula é dinheiro dos investidores. É difícil entender como o dinheiro que deveria estar girando nas empresas e nas economias familiares acaba se transferindo para a ciranda financeira.

A análise de algumas manchetes ajudam a compreender o nexo existente entre a alta da bolsa, a arrecadação federal estável, economia estagnada e sensação de bem-estar de uma parte expressiva da classe média.

“Grandes bancos brasileiros distribuíram R$ 58 bilhões em dividendos em 2019”.

“Arrecadação federal atinge melhor patamar dos últimos 5 anos […] a arrecadação cresceu 1,69% e chegou a R$ 1,537 trilhão em 2019”.

“A arrecadação do IRPF (imposto de renda das pessoas físicas) dos ganhos líquidos em operações na bolsa subiu 49%. Fonte: Receita Federal”.

Como tudo isso se relaciona? De onde vêm esses lucros fabulosos?

Bancos e outras grandes corporações aumentam seus lucros investindo em ações na bolsa. A bolsa sobe. Bancos e empresas reinvestem a maior parte do lucro na bolsa; não reinvestem em tecnologias e máquinas para melhorar sua produtividade porque a economia está estagnada. A bolsa sobe mais um pouco porque tem mais gente investindo, o volume de dinheiro aumenta, os  lucros dos bancos e empresas sobem. Uma parte dos lucros obtidos na bolsa é distribuída aos sócios e acionistas das empresas, sem tributação, lucro limpinho, caso único. Uma das justificativas para a distribuição de lucros ser isenta de tributação era que os acionistas iriam investir os ganhos em novas atividades produtivas. Mas os acionistas  não investem na empresa; voltam a aplicar os lucros na bolsa. E a bolsa continua subindo.

A bolsa também sobe porque os juros estão muito baixos. A classe média que tem algumas economias começa a investir na bolsa. Esse é o momento mais desejado pelos bilionários. A partir do momento em que milhões de pequenos poupadores começam a investir suas economias na bolsa, todos se tornam defensores do sistema que remunera muito para não produzir nada. É o paraíso chileno a que Paulo Guedes se referia algumas semanas antes do país entrar em convulsão, dizendo que no país andino os trabalhadores não queriam mais saber de sindicato, que eles aplicavam na bolsa e se sentiam capitalistas.

Para manter o sistema funcional, é preciso que muitos se sintam  beneficiados com esse processo especulativo e improdutivo, multiplicando vozes em defesa do sistema. Os que entram na ciranda passam a desejar que a roda não pare de girar. É preciso sempre colocar água nova no moinho. Se houver a percepção generalizada de que a ciranda é artificial, a roda trava e começa a andar para trás. As primeiras vítimas são os pequenos poupadores que entraram por último. Mas isso é apenas um detalhe para o sistema. Afinal, é para essas horas que existem os especialistas, que vão dizer que bolsa é risco, informação que será replicada pela mídia corporativa tal e qual. Taokei?

Os resultados da arrecadação federal em 2019 revelam lucros fantásticos em alguns setores (não é somente a Petrobras e os bancos), graças aos resultados auferidos com a especulação da bolsa de valores. Isso acontece a despeito do avanço rápido do processo de desindustrialização da economia nacional.  Vários setores industriais tiveram forte recuo nos últimos meses do ano passado, com destaque negativo para os setores de produtos químicos e metalurgia, que somente em dezembro de 2019 tiveram sua arrecadação reduzida em percentuais de 16% e 31%.

Isso tudo sem falar do avanço do poder das milícias em várias esferas da economia e nas estruturas estatais, com um impacto nada desprezível para a desorganização das atividades econômicas tradicionais.

O estágio atual do fascismo bolsonarista em construção no país pode ser assim sintetizado:

Os muito ricos estão ficando mais ricos.

Os remediados estão ganhando dinheiro com a especulação financeira da bolsa.

Os tralhadores e desempregados são esculachados e proibidos de lutar por seus direitos, com Supremo com tudo.

O ogro escolhido para comandar o espetáculo insulta dia sim e outro também os segmentos sociais que insistem em defender um resto de civilidade.

E a mídia corporativa dizendo: se ao menos o presidente não elogiasse torturadores e não fizesse insultos de cunho sexual contra jornalistas! Vejam que apenas por um detalhe não estamos todos felizes.

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