20 anos no Contestado. Por Nilson Cesar Fraga.

Foto: Reprodução.

Por Nilson Cesar Fraga/Desde o Observatório da Região e da Guerra do Contestado.

Em agosto de 2020, faz 20 anos do meu primeiro trabalho de campo na Região da Guerra do Contestado. Foi uma viagem épica, pois pouco conhecia dos caminhos, dos lugares e das pessoas de lá. Até então, o Contestado era teoria, mas iniciava naquele agosto de 2000, ano do milênio, uma vida dividida entre Curitiba, Florianópolis, Londrina e o Contestado. Desde então, mais de 40 turmas de estudantes e profissionais estiveram comigo na Terra Cabocla do Contestado. As imagens mostram fragmentos daquela primeira viagem, fotografias escaneadas, pois na época, ainda não usávamos celulares como hoje e não tínhamos máquinas de fotografias digitais – era no rolinho e na revelação depois da viagem.

Outros tempos, nos espaços mesmos, destes 20 anos. A primeira turma que esteve comigo no Contestado, foi a turma de Geografia, da Universidade Federal do Paraná, minha primeira turma de Geografia Agrária como professor do Ensino Superior. Uma turma para lá de especial, ainda mantenho contato com muitos deles e delas, que hoje atuam como educadores e educadoras de Geografia, outros/as são técnicos nessa área, alguns não sei por onde andam, mas tenho saudades de turma que abriu os caminhos do Contestado e do Mundo Caboclo ao meu lado. Fomos pioneiros e pioneiras destas geografias que seguem comigo desde então. Faz 20 anos que sou padrinho (paraninfo) dessa turma, mas não vejo os/as afilhados/as, faz muito tempo. Nesse primeiro trabalho de campo, estivemos estudando os municípios de Irani, Porto União, União da Vitória, Canoinhas, Três Barras, Calmon, Matos Costa, Lebon Régis (Trombudo do Contestado), Caçador, Fraiburgo, Mafra e Rio Negro, por vários dias de viagens e descobertas. Imagens e encantamentos que ficaram tatuados e impregnados em nossos corpos, mentes e almas.

O mundo caboclo se abria para nós! Vimos destroços, sítios abandonados, cidades empobrecidas e esquecidas, paisagens com araucárias e pinus, pessoas que estranhavam nossa presença, entramos em locais proibidos com um ônibus público, nos receberam com carinho, ou com a típica desconfiança cabocla, vivemos alguns momentos de tensão, é verdade! Observamos miséria e esperança nos olhos de adultos, jovens e crianças que cruzaram nossos destinos naquela viagem. Notamos a opulência de uma pequena parcela da população, assim como o abandono e a pobreza de milhares de outros/as. Havia pinus para todos os lados, essa floresta alienígena já dominava o Contestado, mas vimos capões de araucárias, imbuias e butiás, a floresta da civilização cabocla que até então, para nós, apenas desfilava nos livros e artigos científicos. Havia um Contestado para além dos escritos e fomos desvelando-o nessa viagem de descobertas. Estivemos com Vicente Telles, quando ele nos preparou, com as próprias mãos, uma quirera com carne de porco, para nos receber no Banhado Grande do Irani, berço e carneira dos/as primeiros/as mártires do Contestado, onde descansa o Monge José Maria.

Os/as estudantes voltaram comigo para Curitiba, mas nunca mais deixei de estar no Contestado, como se vivesse parte da minha vida nas terras caboclas. E, lentamente, o povo caboclo foi me aceitando para além de um forasteiro curioso vindo de uma universidade distante. Tudo isso mudou os rumos da minha vida. Dos estudos científicos sobre as enchentes urbanas de Santa Catarina, que pesquisava desde a iniciação científica na UDESC, o Contestado foi tomando proporções inimagináveis. Abandonei o doutorado em Geografia na UNESP, fui das enchentes para os estudos científicos sobre o Contestado, já na UFPR, em 2000, quando fiz esse primeiro trabalho de campo e aproximação com a cultura e a civilização cabocla catarinense e paranaense.

Não há como descrever tudo o que aconteceu depois, são 20 anos de pesquisas e ações extensionistas na Região da Guerra do Contestado, que não cabem em uma publicação nesta rede social, aliás, o texto já está enorme para o Facebook. Mas, quem sabe, esses 20 anos se transformem em uma publicação futura, com memórias que possam ser publicadas depois da minha aposentadoria (ainda há possibilidades de se aposentar nessa ré-pública dos diabos?), pois nesse momento temos dois eventos sendo realizados no Contestado, a VI Semana do Contestado e o IV Acampamento Caboclo, são obrigações desses 20 anos de pesquisa-ação no chão caboclo.

O Contestado segue, eu sigo com ele, com saudades da primeira viagem e dos/das estudantes de Geografia da UFPR que estiveram comigo e brindaram o início de uma história de vida, impregnada de histórias de vidas caboclas. Agradeço aos que estiveram comigo nesses 20 anos pelo Contestado, desde a primeira turma, assim como todo o Povo Caboclo que me permitiu ser parte deste mundo e dessas geografias! Não corrigi o texto, foi escrito na emoção, perdão!

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