Crônica da Urda sobre Anderson Engels

Por Urda Alice Klueger

Anderson Engels

Foi, creio, no ano de 2002 que prestei a devida atenção pela primeira vez àquele adolescente que, sentado num largo círculo de cadeiras, expôs a visão que trouxera de uma ida à Brasília, creio que seu primeiro longo afastamento de casa:

– Acho que a coisa que mais me chamou a atenção é como o Brasil é grande… Céus, como o Brasil é grande! – e nos seus olhos cheios de maravilhamento estavam contidas as longas estradas pelas quais andara, a travessia do longo Sul, o interior da região Leste, o imenso cerrado do Centroeste – parecia-me vê-lo a avistar as siriemas e as emas correndo pelo cerrado, quase que apostando corrida com o ônibus. Meninos assim maravilhados com a realidade a gente não esquece mais, e foi assim que o Anderson entrou na minha vida.

Fazíamos parte do Forum dos Movimentos Sociais de Blumenau e Região, e Anderson acabara de chegar com alguns outros amigos muito jovens, os representantes do Movimento do Passe Livre. Garantido pela Constituição de 1988, o transporte público jamais foi gratuito neste país, mas aqueles meninos levavam muito a sério os seus e nossos direitos, e estavam pondo a cabeça a prêmio para defender o que acreditavam. Lá em Brasília, por exemplo, Anderson tinha ido parar numa delegacia por ter pulado a catraca de um ônibus, em sinal de protesto. Como o delegado não sabia o que fazer com aquele garoto, mandou-o embora – e no ônibus seguinte em que entrou, ele tornou a pular a catraca!

Mordido pelo bichinho da Justiça, Anderson nunca mais abandonou a luta por ela. Tinha 17 anos e era secundarista quando o conheci – logo em seguida foi estudar radiologia, sonho que acalentava, e seu primeiro pedido de emprego foi feito a importante hospital de Blumenau, que aprovou seu curriculum imediatamente. Era para começar a trabalhar no dia tal, mas daí… daí o hospital descobriu que ele militava em Movimentos Sociais, e ficou o dito pelo não dito. Como é que um hospital de burgueses aceitaria na sua sala de radiologia um garoto que sabia perfeitamente o que era justo e o que não era? E se ele radiografasse os pensamentos podres de certas pessoas? Acabou-se o emprego antes de começar; muito Anderson batalharia antes de ser aceito na área, e quando o conseguiu, foi emprego em hospital distante, em outra cidade. Num Brasil ainda de capitanias hereditárias, querer justiça é uma coisa muito perigosa!

Não sabem os poderosos, porém, que há muuuuuuita gente que não foge à luta – também milito em Movimentos Sociais e sei bem o que muita gente tenta esconder, com medo de perder algum tipo de poder, por mais à toa que seja. Anderson era da turma que não foge à luta, nunca fugiu, está sempre aí defendendo o que a Constituição garante, as coisas legais que muitos poderosos tentam esconder da população menos informada – e foi assim que esse menino de ouro foi trabalhar na nossa rádio comunitária, a Rádio Comunitária Fortaleza Adenilson Teles. Não titubeou: começou a trabalhar na rádio e foi fazer o curso superior de jornalismo, onde logo logo se forma. Perguntei-lhe:

– O que representa para ti o trabalho na rádio?

E ele, sem hesitação:

– Estou lá para levar aos ouvintes o que os outros meios de comunicação não mostram!

Nem falei que desde lá no começo Anderson tocava numa banda – agora, entre outras coisas, realiza eventos com artistas e bandas com músicas próprias, semeando oportunidades para todos.

Olho para trás, agora, e vejo quanto tempo passou: meu menino Anderson já chegou aos 26 anos, e eu espio pelo túnel do tempo e o vejo em tantas ações, tantas atividades que fizemos juntos, e tantas outras sobre as quais só ouvi falar! Às vezes ele freqüenta a varanda da minha casa e temos conversas intermináveis; às vezes vou até a rádio e está ele lá, fazendo e acontecendo; outras vezes pergunto por ele e fico sabendo que está em algum lugar como o Rio de Janeiro, como aconteceu no mês que finda: lá estava ele no curso “Comunicação e Hegemonia no mundo em ebulição”, coisa de semana inteira, importante, curso ministrado pelo Núcleo Piratininga de Comunicação.

Para o começo de dezembro desde ano de 2011? O Anderson estará no Café Anticolonial do Portal Desacato[1] (WWW.desacato.info), ajudando a fundar a Primeira (primeiríssima!) Cooperativa de Produção em Comunicação e Cultura do Brasil, representando esta minha região do Vale do Itajaí!

Quer mais? Nem consigo imaginar tudo o que vem por aí! Anderson, meu querido, até a vitória, siempre! O mundo é dos que têm coragem e garra para defender seus ideais!

Blumenau, 30 de novembro de 2011.

Urda Alice Klueger

Escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR.

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